sábado, 27 de dezembro de 2008

A VIAGEM NO TREM Já estou confortavelmente instalado numa poltrona do AMTRAK (os americanos não o chamam de trem ou ferrovia, chamam pelo nome da empresa) com destino a Sebring. Logo aparece o "comissário de bordo", um simpático funcionário da AMTRAK, que não é preto, nem é gordo, conferindo meu bilhete e fazendo anotações em uma planilha. Me deseja boa viagem e agradeço. Eu passaria a viagem apenas olhando a paisagem, a tudo observando, porém já diziam D. Anaíde (minha mãe) e outros: "Estados Unidos é Estados Unidos!". Eis que vejo que há uma tomada de corrente elétrica de 120v ao lado da poltrona. É tudo que eu preciso para ligar o laptop e escrever, pois se dependesse da sua bateria, ela só o mantêm ligado por 30 minutos. Puxo a mesinha de apoio à minha frente, semelhante a de um avião e instalo o computador. E como "Estados Unidos é Estados Unidos" espero que na minha próxima viagem, já haja também a conexão com a Internet (o que tecnologicamente não é difícil) no trem. Só quando chegar à casa de Martha é que transmitirei esta mensagem. Escrever me faz bem, pois além de registrar meus sentimentos de cada momento, é uma forma de estar perto das pessoas queridas, ao menos em pensamento. Olho pela janela do trem e escrevo um pouco. Escrevo e olho. Paro e escrevo, escrevo e paro. Um olho no padre e o outro na missa... No momento o trem se desloca lentamente, pouco barulho faz, quase que não trepida, apenas um leve balançar lateral e aquelas pequenas pancadinhas ritmadas das rodas de ferro batendo nas emendas dos trilhos. De vez em quando cruzamos uma rua, que já está interrompida ao tráfego, com as traves sinalizadoras baixas e um sininho tocando, esperando o trem passar. Ao lado da ferrovia, há uma estrada. Que estrada! Sem buracos, bem sinalizada, quatro pistas para cada lado, separadas por canteiro central com área verde e proteções em metal. O mato, ou grama, está sempre aparado; não há matagal. Uma das coisas que admiro são os caminhões. Belíssimos, enormes, deslocando-se a uma velocidade equivalente aos automóveis. Muitos estão com os vidros fechados, pois tem ar condicionado. Suas cabines são enormes e são verdadeiros apartamentos volantes de seus motoristas. Alguns transportam até casas prontas, completas; chega a ser surpreendente e engraçado: uma casa! Deverão ser colocadas em exposição numa loja ou instaladas no terreno do dono? O trânsito na autopista é mais rápido que na ferrovia.
O trem passa por trás de muitas casas pobres e vemos seus quintais. Até os pobres daqui são ricos, comparados com os nossos. Eles moram em "trailers" ou em casas construídas com pré-moldados de alumínio ou de aglomerado de madeira. Geralmente seus jardins não são bem cuidados, a pintura está gasta e quase todos tem um carro velho estacionado por perto, poucos tem garagem. Há muita tralha jogada ao redor das casas. Geralmente não tem muros, às vezes uma cerca de tela de arame ou de madeira de baixa altura. Aqui e ali um galpão comercial. Sempre no mesmo estilo arquitetônico, pintados em tons pasteis, com cercas de tela. Tudo bem varrido ao redor, alguns veículos estacionados. Raras pessoas. Quase que uma repetição.Acabo de passar por uma marina e vi muitos barcos grandes e bonitos ancorados, cheguei a pegar a máquina para fotografar, mas não deu tempo. Que bela paisagem que era.
O trem anda um pouco e logo tem uma estação ou um ponto de parada, esse trem atravessará várias cidades e estados até New York. Até agora não vi ninguém descer, só novos passageiros chegando. Sempre com aquele mesmo perfil, poucos são americanos típicos (homens avermelhados, mulheres louras carregadas de maquiagem). Passei a ter uma pessoa sentada ao meu lado. É um americano gordo, velho (possivelmente uns 70 anos), barbado e mal cheiroso. Fui saudado por ele: "Hi!" Respondi-lhe educadamente, como se britânico fosse: "Good morning, Sir". A paisagem começa a mudar, de urbana, está cada vez mais rural. É uma região de criação de gado, logo chegará a de plantação de laranja. Começo a sentir fome, mas percebi que as pessoas que passaram pelo corredor em direção ao vagão-restaurante, logo voltaram sem nada em mãos. Dirigi-me ao tal "comissário de bordo", que passa toda hora pelo corredor, perguntando se havia restaurante no trem. Ele respondeu-me que sim e que também havia uma lanchonete, mas que ambos só abririam após a estação de Palm Beach (Praia das Palmeiras). Outra coisa que chama a atenção nos lugares públicos é a presença de cadeiras de rodas para dar apoio aos idosos ou inválidos em geral. Alguns devem ter sido vítimas de acidentes, outros de guerra. Há muitos para os nossos padrões. É que aqui também os velhos não se entregam como no Brasil, eles participam de tudo. Aqui a vaga de estacionamento dos inválidos não é invadida pelos sadios, dá multa. Na estação de Palm Beach há um homem numa cadeira de rodas que é colocado numa plataforma metálica que foi empurrada até a área de embarque. A plataforma é acionada por uma manivela que torna fácil a elevação do homem em sua cadeira de rodas para embarcar na porta dos inválidos no trem. O inválido embarca e posiciona-se no lugar do vagão adequadamente preparado para receber tais pessoas. Ele usa um tapa-olho na visão esquerda e uma boina preta onde se lê na cinta que lhe circunda: "Vietnan Veteran". Pensei comigo mesmo: ele é vítima de uma guerra que nem era dele. O trem agora parou, creio que esperando um outro manobrar, vou aproveitar e conhecer o vagão-restaurante para fazer uma merendinha. A próxima estação é Sebring e o cobrador da AMTRAK virá me lembrar.

Nenhum comentário: